PUNKS ENTREVISTA: LUCAS CIRILLO
Lucas Cirillo é um músico paulistano que tem como a gaita o seu instrumento principal há 17 anos. Ele também trabalha com produção de trilhas sonoras para a TV e o cinema.
Fazendo parte do catálogo de artistas da Punks há alguns anos, Lucas conversou com a gente! Vem ver:
1. A gaita é não só seu instrumento musical, como uma grande marca na sua identidade como músico. Há referências no seu canal do Youtube, nas suas fotos de divulgação e até no seu arroba do instagram. Como isso se deu? Você sempre gostou desse instrumento específico ou ele foi ganhando protagonismo aos poucos na sua trajetória?
Costumo dizer que a gaita é meu portal, meu item mágico que surgiu na minha vida e possibilitou novos encontros e novos conhecimentos para além da música inclusive. É barato ter uma gaita, nem que seja de brinquedo. Por essa razão, acredito, foram vários os meus encontros com a gaita pelas casas de amigos durante minha infância e em minha própria casa. Até que na adolescência montei com uns amigos uma banda de garagem na qual eu era o vocalista e no nosso repertório tinha uma música com gaita. Era um instrumento que me atraia, fascinava e logo o universo tratou de me colocar mais e mais oportunidades para eu aprender e entendê-la como meu instrumento e mostrar ao mundo esse meu entendimento; uma prática que me acompanhará ainda por muito tempo, pois há muitos lugares onde a gaita não conseguiu seu espaço.
2. Conta pra gente quais são suas principais referências na gaita e na música como um todo.
Minhas referências na gaita são também reverências àqueles que a entenderam como seu instrumento principal e abriram caminho para inspirarem e encorajarem xs que vieram depois. Ao longo da minha jornada tentando encontrar minha identidade sonora pesquisei e pesquiso muitxs gaitistxs e poderia escrever uma enorme lista aqui, pois a especificidade que trazem de certa forma se torna referência para mim.
Stevie Wonder é o farol, onde me guio como ser que pode compreender suas multi potências através da gaita, experimentando sua musicalidade em qualquer campo que lhe atrai, fora isso as sonoridades exploradas por ele se tornaram marcas identitárias, que por mais que desconheça a gravação sei identificar: “Essa gaita é o Stevie!”
Flávio Guimarães foi quem trouxe a gaita blues pro Brasil. André Carlini foi meu professor, concebeu uma linguagem à qual chamou Gaita Groove. Toots Thielemans, considerado o “papa da gaita”. Gregoire Maret atualmente é um dos gaitstas que mais tenho me inspirado.
Gabriel Grossi, Muarício Einhorn, Rildo Hora, Olivier Ker Ourio, Hermine Deurloo, Big Mama Thornton, Grace Brim, Ingrid Berry e Indiara Sfair.
3. Você fez, por muitos anos, parte do Aláfia, um grupo com muito destaque no cenário da música paulista e urbana. Apesar disso, as composições evocam principalmente questões identitárias e políticas. Essa sempre foi a intenção do grupo? Como vocês se uniram?
Saí do Aláfia em Outubro de 2019, depois de 9 anos de banda, para me dedicar ao lançamento do meu mais novo trabalho: o Timeline Trio, mas lá tínhamos a máxima que “estética é política”, isso se mostrava em nossas escolhas e essa relação foi a base fundante do grupo que se reunia na casa do líder da banda, Eduardo Brechó pra escutar música e gravar algumas coisas também, produzir beats. Não a toa foi lá que pude entender meu instrumento suficientemente potente para integrar um naipe de metais, teve show em que chegamos a tocar em sete só na sessão de sopros. Além de tocar em si, lá também desenvolvi meu lado arranjador e desenvolvi meu trabalho principal, paralelamente a gaita que é o de compositor. Se hoje em dia levo comigo uma indicação ao Grammy Latino como melhor composição em Língua Portuguesa e também assino 3 das composições do aclamado disco Xenia ( 2018 ) também nomeado ao Grammy Latino como melhor disco Pop em Português, com certeza foi graças ao aprendizado que tive com Aláfia.
4. Nos últimos meses, o mundo mudou mais do que esperávamos. O isolamento social fez com que os músicos apostassem nas plataformas digitais como estratégia principal para se comunicar. Você acredita que o encontro entre músicos, público e contratantes deve ser cada vez mais online?
Sinto a música vivendo em uma crise identitária especialmente no mainstream. Há um modus operandi criativo direcionado pelo mercado que muitas vezes nem é o musical, música pra vender os produtos do agronegócio que saqueia nossa maior riqueza que é a nossa natureza, preservada a duras lutas pelos povos originários, para citar só um nicho (enorme) dessa cadeia.
Essa crise traz a oportunidade de olharmos lá no fundo e entendermos nossas reais potências e desse mergulho emergirmos com uma arte extremamente original, que reflita o espírito de seu tempo. Esse é o encontro que considero mais urgente no momento.
O artista, como ouvi Angela Davis dizer no seu discurso no Parque do Ibirapuera em 2019, é quem consegue imaginar o futuro; um futuro onde somos felizes, guiado pela alegria. Os povos tupi celebram pela arte a Natureza, com canto e dança. A arte empodera os povos. Imaginando-se um futuro de alegria e beleza, somos capazes de reivindicá-lo e lutar por ele.
Uma marca que se comprometa em ser parceira desse projeto para um futuro próspero, que sonhamos, perceberá a necessidade de se fomentar a arte. Os contratantes que sempre se disseram comprometidos com a música, tem agora uma ótima oportunidade para por em prática seus slogans e criarem uma rede de apoio à música, envolvendo marcas engajadas a fomentar a iniciativa de se apresentarem online que muitos músicxs demonstraram, doando seus trabalhos nas primeiras semanas de isolamento como um alento à quem iria ficar em casa, lidando com sua necessidade de absorver cultura e se livrar do tédio iminente.
5. Na sua opinião, o que uma música autenticamente brasileira tem a agregar a uma produção audiovisual?
Arrisco dizer que esse país guarda a maior riqueza musical do planeta, não fosse isso não figuraríamos nos mais aclamados festivais de música, nem seríamos constantemente “importados” por grandes potências que veneram nossa arte, mesmo não a conhecendo em sua profundidade, dessas que leva uma vida inteira para se descobrir. Os saberes musicais incrustradros em nossa cultura ancestral, que com o tempo foram se transformando, fazem daqui uma potência única musical, de fonte inesgotável.
Uma produção audiovisual tão mais rica será, quanto mais rica for sua música, de cujo papel é basicamente guiar nossa emoção pelos sentimento que só a imagem não traduziria.
Um audiovisual que deseje ser deslumbrante e ilimitado em sua imaginação precisa de uma música que amplie seu potencial enquanto arte e nisso nossa música pode agregar.